domingo, 6 de dezembro de 2009

Decifrando um mito


Foto: Marcos Alves. Fonte: Flickr

Ilógicos, irracionais, tradicionais, deuses, figuras lendárias, seres assustadores, meras invenções. Todas estas expressões tentam interpretar os mitos.
Desde a origem da palavra, na cultura greco-romana não são poucos os pensadores, filósofos, poetas que buscaram definir esta forma de representação coletiva, de natureza simbólica, capaz de atravessar gerações.
Jung, Goethe e até Fernando Pessoa manifestaram o seu ponto de vista.
Mas penso que Roland Barthes foi quem acertou na mosca: "o mito não pode ser um objeto, um conceito ou idéia. Ele é um modo de significação, uma forma". Deste modo, impossível definir o mito "pelo objeto da sua mensagem, mas pelo modo como a profere".
Tenho pensado muito no sentido que as pessoas dão às suas vidas. E no sentido que podem dar às vidas de outros. Ontem, meio por acaso fui decifrar um mito. Para mim e para milhares de pessoas que lotaram um estádio de futebol.
Show de Roberto Carlos. Nunca vi nada igual. Não falo da qualidade da produção cênica, musical, dos artefatos, da grandiosidade de um espetáculo. Falo de um homem, um artista de 68 anos, 50 de uma carreira bem cuidada e construída, que continua absoluto no palco.
Seguro, perfeccionista, dono de uma voz correta, sempre bem colocada, afinada, técnica. Incapaz de um deslize. E senhor de uma performance emocionante, mesmo que a música não seja lá grande coisa. E muitas não são. Mas Roberto Carlos, o mito, sabe fazê-las significativas.
Mais do que qualquer outro artista no Brasil, ele soube construir o valor simbólico dos desejos e aspirações de seu público. Tanto dos fãs declarados quanto dos admiradores eventuais, mas igualmente perplexos, categoria na qual julgava me enquadrar. Julgava até ontem.
Romance, amor, sexo, diferenças, profissões, fé, modismos, bobagens. Ele transita em um universo extenso e, invariavelmente, nos faz pensar alto: "essa música é pra mim" ou "essa música eu vou cantar para..." ou "essa música é a cara de...".
Me emocionei muitas vezes durante o show. Pela memória, pelo repertório mas, principalmente, pela forma com que Roberto Carlos conduz o seu público e torna importante qualquer ação ou não-ação.
Seus trejeitos e maneirismos - já mais que conhecidos, imitados e aguardados, sua forma de rir e esperar a cumplicidade da platéia, suas pausas e seu olhar para a multidão. Absolutamente tudo se traduz em emoção, queira-se ou não.
Tudo o que diz, tudo o que canta, do jeito que canta. Nada é mais imponente. Nada é mais soberano, como cabe a um mito. Só agora eu o decifrei.


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