domingo, 27 de dezembro de 2009

Ainda sobre olhares

Lindo presente de Ano Novo do meu amigo Mauro YBarros. Quer fazer diferente em 2010? Então olhe pela janela.




Uma história de encontro




Watch CBS Videos Online
Nathaniel Ayers e Steve Lopez

Para mim o cinema é a extensão perfeita da literatura. Não falo de versões e adaptações. Falo da possibilidade de enxergar as minúcias das emoções do viver. A ressaca entre o Natal e o Ano Novo é um bom momento para ir ao cinema.
Mesmo involuntariamente é a hora em que a sensibilidade aguça, estamos mais suscetíveis às percepções e contemplações e nos permitimos a tão propagada reflexão. Palavrinha gasta, do rol dos clichês de fim de ano. Mas ainda necessária para justificar a vontade de mudar. E, se possível, provocar mudanças.
Fui ver O Solista (The Soloist, 2009), de Joe Wright, com estupendas interpretações de Jamie Foxx e Robert Downey Jr.
O filme conta a história real de Nathaniel Ayers, músico virtuoso que abandonou família e a arte para morar nas ruas. Era esquizofrênico, ouvia vozes, tinha alucinações e, por consequência, surtos.
No seu caminho cruza Steve Lopez, colunista do Los Angeles Times, um homem maduro e com uma vida solitária e sem sentido.
Há um encontro. Desses que, imagino, só acontecem uma vez em nossas vidas. Ou talvez aconteça sempre e nem nos damos conta. Lopez e Ayers constroem, a partir deste encontro, uma história de amizade que muda radicalmente a vida dos dois.
Ayers, sensível, percebe claramente o que Lopez passa a significar para ele enquanto o outro resiste, hesita, recua, antes de entender que é impossível passar incólume à presença de Ayers a partir daquele ponto. O que aconteceu entre Nathaniel Ayers e Steve Lopez pode não ter sido mera casualidade. Quem sabe já estava escrito.
Mas o que importa mesmo é a capacidade de olhar. Perceber o entorno do mundo que criamos para nos defender ou para nos afundar na invidualidade que o cotidiano nos impõe. Olhar a rua, ouvir os sons, sentir os cheiros e os gostos. Do que nunca vimos ou provamos. Do que difere daquilo que julgamos entender.
Lopez não é inocente. Há uma apropriação sim, que o fez um jornalista reconhecido e premiado por contar a história de Ayers. Mas há um dilema emocional ao qual ele se rende. E isso é o melhor da história.
Compreender que podemos transformar a nossa vida e a do outro é o melhor de um encontro.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Natal de beleza e encantamento


São Paulo é a minha segunda cidade. Adoro andar pela Avenida Paulista, o lugar no mundo com o maior "pé direito", como costumo dizer.
Já entrando no clima de Natal, montando árvore e presépio, recebo do Itaú Personnalité um presente. Um enfeite para a porta, pedacinho da decoração da agência Trianon, lá da Av. Paulista e, ainda, um DVD com a apresentação de um coral, no mesmo lugar.


Foto: Silvio Tanaka. Inauguração da decoração.

O Banco segue a tradição da cidade e da avenida em se enfeitar pro Natal, criando há 12 anos um espetáculo temático que faz parte do calendário turístico de São Paulo.
Mas o que vi no vídeo me surpreendeu e emocionou e compartilho aqui: o cuidado, o detalhe e as soluções cênicas em misturar o artesanal com os recursos tecnológicos para um show minuciosamente sincronizado, à disposição do público.
O resultado, batizado de Natal Personnalité de Música e Luz é um conjunto mágico que tem um coral de 12 vozes, muitas luzes, chuva de neve, um Papai Noel de 3 metros que toca órgão e ursos que interagem com o coral, cantando músicas natalinas. Confiram a beleza do espetáculo:



Puro encantamento, uma sensação que só posso ter de longe, infelizmente. Mas que recomendo aos meus amigos paulistanos e outros que vão passar por lá e que, como eu, adoram curtir a cidade, sobretudo nesta época.
Eu penso que o Natal está longe dos shoppings lotados. Está na oportunidade em se viver experiências deste tipo com pessoas de quem se gosta. Filhos, pais, amigos, famílias inteiras que, por alguns momentos, se aproximam e compartilham um clima bacana e cheio de lembranças e representações. E por que não?
Vejam o vídeo, curtam as fotos no slide show do blog e segue a dica. Vão e me contem!

Natal Itaú Personnalité
Onde: Agência Trianon – Av. Paulista, 1.811, esquina com Al. Ministro Rocha Azevedo.
Quando: até 2 de janeiro de 2010
Apresentações diárias das 18h00 às 21h40, de 20 em 20 minutos, com a participação de coral de quinta a domingo.





Gil, cordas, partituras e lições

Um dos momentos mais especiais que vivi foi quando trabalhava na Escola de Música da UFBA e, em um dia em que precisei ficar além do horário, presenciei uma cena incrível.
Na sala dos professores estava o maestro e compositor suíço Ernst Widmer, um dos maiores conhecedores da música, do folclore e da poesia regional do Brasil, que inspiraram a sua obra fantástica desde que aqui se radicou, em 1956.


Ernst Widmer - Foto: Isabel Gouveia

Ele trabalhava em um arranjo para a Orquestra Sinfônica que, pela primeira vez tocaria com os Filhos de Gandhy, o mais famoso afoxé do Carnaval baiano. A música era Filhos de Gandhi, de Gilberto Gil:

"Iansã, Iemanjá, chama Xangô, Oxossi também
Manda descer pra ver Filhos de Gandhi..."

Com partituras espalhadas sobre uma enorme mesa, Widmer esperava alguém para concluir os arranjos.
Era Gil. Entrou, cumprimentou a Widmer e a mim, sentou e, humildemente, ouviu o que o maestro pretendia fazer com sua música.
Widmer lhe ofereceu uma folha pautada e pediu pra que ele escrevesse o arranjo original. Com mais humildade ainda ele respondeu: "eu não sei escrever partitura. Não conheço as notas, só cifras".
Widmer recolheu o papel e sem esboçar ar de surpresa ou censura, pediu: "então solfeje pra mim, marcando o ritmo".
Gil batia na mesa, olhando firmemente pra Widmer e cantarolava a música no "tá tá tá" enquanto o maestro transcrevia. Quando terminou, perguntou: "veja se é isso". E repetiu o trecho integralmente, apenas lendo a partitura. Gil ficou encantado e eu, paralisada. Pelos dois. Por aquele momento, único.
Sempre achei Gil um músico estupendo, um poeta ímpar e um arranjador espetacular. Penso, e repito sempre, que ele não é tão reverenciado como deveria. Pelo talento, pela obra, pela originalidade e reinvenção contínua da sua música.


Gil e Bem em BandaDois. Foto: Divulgação

Ouvindo e vendo BandaDois, seu novo CD/DVD, vejo o tamanho deste músico. E essa cena, quando ensina minuciosamente o arranjo de Expresso 2222 ao lado do filho, Bem, dispensa mais palavras.
Para Gilberto Gil, conhecer partitura sempre foi dispensável.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A linguagem fez a diferença




Um Novo Tempo, a música de final de ano da Rede Globo, composição de Marcos Valle e Nelson Motta parecia não ter mais pra onde ir. De tão velha ficou chatérrima. A fórmula do elenco em coro, aquela brancura toda, o tilintar das estrelinhas na introdução, tudo déjà vu.
Opa! Surpresa. O tema de 2009 - Vamos Abraçar as Diferenças - trouxe um espírito renovado e inspirado à equipe de criação e surgiu uma nova linguagem, uma nova estética ao som do Hip Hop.
Com MV Bill e os meninos dos grupos beneficiados pelos projetos sociais que a Globo ampara, a mensagem ganhou outro tom, outra cor, uma outra pegada.
O elenco global, misturado aos verdadeiros atores brasileiros, seria até dispensável.
Gostei. E aqui vai o making of da produção. O clipe todo mundo tá vendo na telinha.


Presentes artesanais

Não conheço a Cissa, mas conheço a Ana Fernanda, amiga querida. Recebi da Ana um e-mail por uma das minhas dezenas de listas com esta dica: lembrancinhas que a Cissa faz artesanalmente e que custam baratinho, para quem gosta de distribuir presentes no Natal.
Eu digo o ano todo que acho Natal uma balela mas, basta chegar perto e vou entrando no clima. Montar árvore, presépio e dar presente pros chegadíssimos é o que mais gosto. Coisa boba, pequena e útil. Um recuerdo que se traduz em: gosto de você pra caramba e obrigada por fazer parte da minha vida neste ano.
E, claro, de estar na noite de Natal com gente do bem pra fazer uma oração em agradecimento a tudo.
A Ana não me pediu, muito menos a Cissa. Mas as coisinhas são tão legais que resolvi colocar aqui.
Vejam só:


 Porta-Pen Drive: Unid. R$ 5,00 - Dúzia R$ 50,00    
Agenda 2010 modelo de bolso forrada em tecido: Unid. R$ 15,00



Lixinho de Carro, revest. interno de plástico - 01 unid. R$.17,00, 02 unid. R$.30,00 
Tapa Olhos com mensagens bordadas - 01 unid. R$ 10,00


Como encomendar? Só perguntando pra Ana Fernanda: anafernandas@gmail.com.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Decifrando um mito


Foto: Marcos Alves. Fonte: Flickr

Ilógicos, irracionais, tradicionais, deuses, figuras lendárias, seres assustadores, meras invenções. Todas estas expressões tentam interpretar os mitos.
Desde a origem da palavra, na cultura greco-romana não são poucos os pensadores, filósofos, poetas que buscaram definir esta forma de representação coletiva, de natureza simbólica, capaz de atravessar gerações.
Jung, Goethe e até Fernando Pessoa manifestaram o seu ponto de vista.
Mas penso que Roland Barthes foi quem acertou na mosca: "o mito não pode ser um objeto, um conceito ou idéia. Ele é um modo de significação, uma forma". Deste modo, impossível definir o mito "pelo objeto da sua mensagem, mas pelo modo como a profere".
Tenho pensado muito no sentido que as pessoas dão às suas vidas. E no sentido que podem dar às vidas de outros. Ontem, meio por acaso fui decifrar um mito. Para mim e para milhares de pessoas que lotaram um estádio de futebol.
Show de Roberto Carlos. Nunca vi nada igual. Não falo da qualidade da produção cênica, musical, dos artefatos, da grandiosidade de um espetáculo. Falo de um homem, um artista de 68 anos, 50 de uma carreira bem cuidada e construída, que continua absoluto no palco.
Seguro, perfeccionista, dono de uma voz correta, sempre bem colocada, afinada, técnica. Incapaz de um deslize. E senhor de uma performance emocionante, mesmo que a música não seja lá grande coisa. E muitas não são. Mas Roberto Carlos, o mito, sabe fazê-las significativas.
Mais do que qualquer outro artista no Brasil, ele soube construir o valor simbólico dos desejos e aspirações de seu público. Tanto dos fãs declarados quanto dos admiradores eventuais, mas igualmente perplexos, categoria na qual julgava me enquadrar. Julgava até ontem.
Romance, amor, sexo, diferenças, profissões, fé, modismos, bobagens. Ele transita em um universo extenso e, invariavelmente, nos faz pensar alto: "essa música é pra mim" ou "essa música eu vou cantar para..." ou "essa música é a cara de...".
Me emocionei muitas vezes durante o show. Pela memória, pelo repertório mas, principalmente, pela forma com que Roberto Carlos conduz o seu público e torna importante qualquer ação ou não-ação.
Seus trejeitos e maneirismos - já mais que conhecidos, imitados e aguardados, sua forma de rir e esperar a cumplicidade da platéia, suas pausas e seu olhar para a multidão. Absolutamente tudo se traduz em emoção, queira-se ou não.
Tudo o que diz, tudo o que canta, do jeito que canta. Nada é mais imponente. Nada é mais soberano, como cabe a um mito. Só agora eu o decifrei.


sábado, 5 de dezembro de 2009

Insones

Fugiu.


Eu não queria


Mas sabia.


Você não disse


E eu troquei o sono


pelo arquivo morto.


Revirei as gavetas do criado-mudo


as caixas de papelão da escrivaninha


Abri as portas do armário do banheiro


Mofo.


E estava tudo lá


Tudo que você não disse


e que eu sabia


Não queria


Fugi.

 
Pra Jão, na insônia como eu.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Cena urbana

Será que é tão difícil para algumas pessoas (em Soterópolis, muitas) entenderem que não vivem sozinhas nas cidades?




Fotos: eu, revoltada, com celular.
Sexta passada, depois de rodar 15 minutos tentando estacionar em vagas lotadas por carrinhos abandonados.

Infelizmente, cena comum no estacionamento do supermercado, onde se pode ler: "já fiz minhas compras, dane-se quem precisar sair com o carro ou estacionar nesta vaga, mesmo que seja vaga exclusiva para cadeirantes".


domingo, 29 de novembro de 2009

Segredo público

Na parede. Olhei e achei lindo.


sábado, 28 de novembro de 2009

Tomates tunisianos fritos

Na loja franqueada de uma famosa cafeteria ouvi o seguinte diálogo entre duas distintíssimas senhoras, num tom pra lá de blasé:

- O seu prato chegou primeiro? E o meu café, nada. O serviço aqui é péssimo.
- Sim. Horrível.
- E este tomate aí? Não era pra ser frito?
- Pois é. Era. Mas está totalmente cru, com o queijo parmesão derretido dentro.
- Que horror. Isso é coisa daqui. Porque já fui a várias lojas em Curitiba e até em Camboriú. Nunca vi este tipo de atendimento.
- E este tomate, você já viu assim em algum lugar?
- Não.
- Nem eu. Não deve existir em nenhum lugar do mundo. Nem nos confins da Tunísia.
- É verdade.

Pode parecer non sense. É. Mas é coisa pior também. É xenofóbico.
Estou exagerando? Talvez. Mas presenciar este diálogo entre duas turistas curitibanas em uma cafeteria da orla marítima de Salvador me deixou muito desconfortável.
A ponto de rever o cardápio, que conheço há muito tempo e comparar a foto do prato pedido pela senhora, vítima da suposta incompetência do pessoal da cozinha.
Fiz mais: chamei o garçom e perguntei qual era o ponto do tomate. Tomate este que eu já havia comido várias vezes. É gratinado, não é frito. Por isto vem levemente assado, só fica no forno o tempo de derreter o queijo mussarela - não parmesão.
E dei uma boa espichada de olho. Juro, não vi nada diferente do que sempre vi servido em outras unidades da rede, inclusive as paulistanas.
Moro em Salvador há 32 anos. Critico o mau serviço, aqui ou em qualquer lugar do mundo. Temos problemas? Sim. Não são poucas as vezes em que chamo gerentes de estabelecimentos, devolvo pratos e mercadorias, reclamo do atendimento, da conta, da demora. Me manifesto, cobro, exijo.
Hospitalidade e descontração não são desculpas para uma prestação de serviço meia-boca, que não é rara por aqui.
Mas a cena revelou, sim, uma carga de preconceito que me incomodou profundamente. Duplo preconceito. Havia um batalhão de gente se desdobrando pra o atendimento rápido na cafeteria lotada. Eu não esperei 5 minutos pelo meu pedido. O bendito tomate da turista estava no ponto.
E a culinária da Tunísia, seja na capital com ares ocidentais, Tunis, ou no mais longínquo distrito no meio do deserto é referência internacional.
Podem perguntar porque eu prestei atenção na conversa dos outros. Primeiro porque observar o comportamento humano faz parte da minha vida. Sou jornalista e, portanto, observadora por ofício. Segundo - e o principal motivo - foi porque entrei sozinha, procurei um lugar no canto do salão e encontrei uma mesa vaga ao lado das digníssimas senhoras. Ao passar, cumprimentei-as, no que não fui correspondida.
Aliás, fui solenemente ignorada. Isto bastou pra que eu as considerasse esnobes e mal-educadas, além de suscitar minha curiosidade a ponto de encará-las. Por isso ouvi a conversa que descrevi. No tonzinho de senhorinhas que tomam seu chá das cinco, o que me irritou ainda mais.
Achei de um cinismo absoluto. "Coisa daqui". A bolsa de tecido comprada no Mercado Modelo com a ilustração do Elevador Lacerda que uma delas portava também é "coisa daqui". E o tomate cru não foi devolvido. Foi engolido no mesmo ritmo do diálogo.
Tive vergonha. Quase pedi desculpas ao garçom quando ele disse que cenas como estas são comuns. Que as manifestações de preconceito, principalmente racial são o seu dia-a-dia, por mais que se esforce pra mostrar o melhor.
Disse isso com sinceridade e mágoa. Me agradeceu pela preocupação e me pediu pra voltar sempre. Voltarei. Quem sabe um dia vá a Tunísia, bem lá nos confins. Quem sabe só em Curitiba e em Camboriú os tomates gratinados são fritos. Eu detesto tomates fritos.


sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Na contramão


Vi ontem uma matéria na TV sobre o uso da bicicleta como meio de transporte no Japão. No sol, na chuva, no frio, com ou sem filhos na carona, as mulheres de minissaia e salto alto, os homens de terno a caminho do trabalho.
Os japoneses vão a todos os lugares de bicicleta, mesmo não existindo ciclovias. As ruas são muito estreitas. Mas os bicicletários nas estações de metrô e pontos estratégicos de Tóquio facilitam.
A tendência da substituição do automóvel pela bike vem de alguns anos como uma das alternativas para a preservação do meio ambiente e, claro, pra dar uma força à saúde da população urbana.
O Brasil está no atraso. As cidades brasileiras, com heróicas exceções, não têm infraestrutura alguma para fomentar o uso das bicicletas pelos seus moradores. E estes, enfiados em seus carros por horas nos engarrafamentos reclamam, mas não movem uma palha. Ou melhor, uma roda da magrela.
Em Soterópolis - Salvador, Bahia, para quem ainda não sabe - a coisa é ainda mais crítica.
Combine-se um transporte coletivo de péssima qualidade, um metrô em construção empacado há 10 anos, uma topografia que não ajuda, um crescimento em cinco vezes da frota de automóveis nos últimos 20 anos e nenhum investimento em ciclovias, pavimentação e manutenção das ruas e temos um cenário sofrível.


Orla marítima de Salvador. Foto: Welton Araújo, Agência A Tarde

Márcio Fortes, o ministro das Cidades promete a liberação de recursos para a construção de ciclovias e bicicletários em todo o país, mas diz que cada cidade "tem uma situação de necessidade". Pronto: era essa a deixa que a administração soteropolitana queria. Não vai pedir essa verba nunca.
A não ser que alguma estrela de axé resolva dar um passeio de bicicleta pela cidade, caia num buraco ou seja atropelada e deixe de puxar o trio elétrico no Carnaval. Aí é outra coisa. As providências para melhoria das condições de vida da população andam de braços dados com a indústria do entretenimento e as espetacularizações pseudo-culturais.
Ok, ninguém quer bicicleta, por razões diversas? Cabe rodízio com carona solidária. Afinal, o baiano tem fama de agregador. E o é, verdadeiramente.
Então, que tal os poderes públicos adotarem por aqui uma medida semelhante à anunciada pela Holanda, que vai cobrar uma taxa por quilômetro percorrido pelos automóveis? Tudo controlado por GPS.
A proposta pretende reduzir em 10% as emissões de dióxido de carbono até 2012. E haverá contrapartida: o imposto sobre a compra dos veículos, que custa aos holandeses 25% do valor do bem, será abolido.
E, ainda: a taxa cobrada terá variação de acordo com o índice de emissão de carbono dos automóveis. Os donos dos carros menos poluentes terão mais descontos.


Cena típica em Amsterdam, Holanda. Foto: Daniel Duclos- www.ducsamsterdam.net

Iniciativa fantástica, considerando a eficiência do sistema de trânsito daquele país, que tem a bicicleta como um meio de transporte como qualquer outro, com regras de circulação e segurança. Em Amsterdam, 12 bicicletas ocupam o lugar de um automóvel, o que reduz sensivelmente os entraves do tráfego e os índices de poluição.
By the way, na Ilha da Fantasia trieletrizante mais de 2 milhões de veículos estão em circulação. Na capital são quase 700 mil: um carro para cada quatro habitantes. Respire um ar desses. Depois vá pular na pipoca do Chiclete com Banana pra aliviar os pulmões.


domingo, 22 de novembro de 2009

Besouro: o filme e o discurso


           O vôo do Besouro (Aílton Carmo) sobre a Chapada.

A diferença entre o diretor-cineasta e o diretor-publicitário é a verborragia.
Se João Daniel Tikhomiroff  falasse menos, talvez Besouro, o filme, pudesse ser melhor compreendido.
Fui ao cinema com a seguinte referência: é de sentir vergonha. Não é não.
Mas não é um filme de ação e muito menos pode ser definido como uma superprodução que conta a saga do primeiro herói brasileiro nas telonas, como apregoou o diretor em seu discurso de pré-estréia. Ou de teaser, usando a linguagem do marketing.
Fui sem expectativas e, por isso, gostei. O roteiro é bom? Não. É recortado demais, beirando o simplório. Isso faz diferença? Não. O homem negro lutador do início do século passado, escondido atrás de sua culpa é humano e supera os clichês periféricos.
O filme dá seu recado estético no seu ritmo, mistura verdade e ficção, conta uma história real em meio ao imaginário das entidades do Candomblé. A personificação de Exu (o excelente Sérgio Laurentino) é estupenda. E o equatoriano Enrique Chediak dá uma aula de fotografia.


O Exu de Sérgio Laurentino: o bem e o mal.

O filme é o irmão pobre e tupiniquim de O Tigre e o Dragão? Não. A cultura da Capoeira é maior que os efeitos dos vôos e lutas que os chineses incorporaram.
Atores desconhecidos e não-atores comprometem? Não de novo. Ao contrário. Ampliam o olhar sobre o filme que reverencia uma arte genuína, baiana e brasileira. E o trabalho de Fátima Toledo com o elenco foi correto.
Aílton Carmo, o Besouro, é excepcional capoeirista e convence. Fico pensando no orgulho de seus alunos, crianças carentes da Chapada Diamantina, região do interior da Bahia onde nasceu e aprendeu a jogar Capoeira.
Besouro não é mesmo um filme de ação. É um filme de arte. E Tikhomiroff  errou em não "vendê-lo" desta forma. É um filme para se esperar uma trilha não-linear, que Rica Amabis faz muito bem. Ângulos de câmera em sobrevôo, personagens inverossímeis e detalhes de interpretação que surpreendem.
Como os olhos marejados de ódio e impotência do cruel chefe dos jagunços, Noca de Antonia (Irhandir Santos) quando descobre que Besouro foi o autor do incêndio no canavial do Coronel Venâncio (Flávio Rocha). Ambos, ótimos atores.
Ok. Custou R$ 10 milhões, tem dezenas de patrocinadores e, por isso, a "obrigação" de fazer um filme maior conta. Mas, pera aí. Qual é mesmo o demérito?
Nós babamos com os filmes europeus e os filmes cult hollywodianos, achamos tudo lindo e fingimos que entendemos roteiros que não têm pé nem cabeça - os chamados filmes de arte-do-cão, como diria um amigo meu - sem nos perguntarmos quantos euros ou dólares há naquela produção sem começo, meio e, invariavelmente, sem fim.
Não considero que Besouro tenha sido um ensaio de um novo gênero do cinema nacional - que, sim, só dá valor ao mundo cão da periferia urbana, às comédias non sense ou água-com-açúcar com elencos globais ou às produções protagonizadas pelo chatíssimo Selton Mello.
Há beleza em Besouro, sim. Nas locações da Chapada Diamantina e do Recôncavo baiano. Na história documentada de resistência da raça negra e na plasticidade e identidade cultural na Capoeira.
E cinema é isto também. O resto foi garganta demais.

Fotos: Christian Cravo.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Porque eu sou negona

Negritude. Consciência. Quem não se rende. Quem não se vende.
Nobre Guerreiro.
A maior voz da Bahia: Lazzo Matumbi.


quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Bossa e samba na Igreja



Quando cheguei a Salvador no final dos anos 70's vivia "medindo" a cidade, como se diz por aqui. Andava a pé pelo Centro Histórico num tempo onde as palavras medo e insegurança não existiam no meu vocabulário. Um dos caminhos para pegar o ônibus me levava ao ponto final da Barroquinha, onde se inicia a Baixa dos Sapateiros, mundializada por Ary Barroso.
Descendo as escadarias ao lado do antigo cinema Guarani, depois Glauber Rocha e hoje Espaço Cultural Unibanco ficava a Igreja Nossa Senhora da Barroquinha. Uma construção do século XVII que compunha um conjunto arquitetônico que tive a sorte de conhecer, mesmo comprometido pela degradação dos equipamentos desde meados do século passado. 
A Igreja tem um valor histórico inestimável. É uma das marcas mais significativas do sincretismo religioso da Bahia: era frequentada por  mulheres nagô-iorubás da nação ketu que, mais tarde, formariam a Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte. À sua volta um batuque deu origem aos primeiros terreiros de Candomblé da cidade.
Em 1984 a Igreja virou ruínas num incêndio e assim permaneceu por muitos anos, com intervenções pontuais para sustentar o que restou. Em agosto deste ano, depois de um projeto de recuperação que começou em 2003 a Igreja foi devolvida aos soteropolitanos como espaço cultural, contribuindo para a vocação daquela área da cidade.



Ontem fui assistir a um show de bossa nova do músico baiano Paulo Costa, que mora em Paris. Pela primeira vez entrei na Igreja depois da intervenção para restauração e recuperação das ruínas. Confesso, fiquei emocionadíssima.
O lugar é lindo. A história de séculos se mistura, na nave central, aos equipamentos de som e luz e aos dutos de ar. Uma acústica fabulosa e os donos da casa - os morcegos - de vez em quando dão vôos rasantes no fundo do palco. Nem isso chegou a interferir no encantamento da platéia. É um lugar perfeito para se beber Cultura.
Neste verão o lugar vai virar espaço de samba, com o Projeto Samba da Igreja todas as segundas-feiras, de novembro a fevereiro de 2010. O batuque do século XVII sai então do entorno, da rua e passa à área interna da Igreja da Barroquinha na forma de outra manifestação autêntica da região do Recôncavo, o samba de roda.
E eu, como boa baianoca estarei lá muitas vezes. É isso que eu gosto do lugar que escolhi pra viver: a tradição revisitada, transformada, mas nunca esquecida.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Uma comédia, um cartaz, uma versão racista

Ações racistas na mídia são recorrentes, apesar de estarmos no século XXI e das sucessivas reparações históricas por todo o mundo.
A mais nova vem da divulgação da comédia Couples Retreat, da Universal Pictures, que fez duas versões do cartaz do filme:



Na primeira, veiculado nos EUA, um casal negro - os atores Faizon Love e Kali Hawk - aparece na foto, embora lá no fundo, atrás dos demais atores - todos brancos.
A segunda versão, feita para circular nos outros países exclui o casal negro. Sem cerimônia e sem vergonha, a Universal justifica: "a idéia era apenas simplificar a imagem para a Inglaterra e demais países fora dos EUA". Vergonhoso.
Mês que vem o filme estréia no Brasil. Vamos ver como vai chegar por aqui.

sábado, 14 de novembro de 2009

Uma página

"Quando eu morrer
e vocês sentirem saudades
vão pra livraria.
É muito provável que eu esteja lá,
entre as estantes".


Uma pessoa me contou esta semana que costuma dizer esta frase aos filhos, do tanto que gosta de estar em meio aos livros. Compra aos montes, lê vários ao mesmo tempo. Embora viva o dia inteiro em frente à tela do laptop gosta das páginas escritas, do cheiro do papel. Adorei e replico porque o hábito me cabe também.


Foto: Google Imagens

Melhor ainda se for em El Ateneo, Buenos Aires, que além de ser enlouquecedoramente linda e completa,  tem uma cafeteria com a melhor media luna do mundo. Alma come?

E vamos fazendo telhado


Capa da 1ª ed. de Pau-brasil, 1925, por Tarsila do Amaral

O Caderno 2 do Estadão publicou um artigo do Zé Celso Martinez Correia genial: Tropicália, sob o signo de escorpião. O texto vai em resposta a Caetano que chamou Lula de 'analfabeto, cafona e grosseiro' para abrir seu voto a Marina Silva, a quem acha linda porque fala bem.
Destesto comentar o discurso de Caetano. Ainda mais o que resulta da metralhadora giratória - destrambelhada, incoerente e não muito raramente débil - dos últimos anos.
Não acho Caetano polêmico, acho ele um saco, um equívoco como pseudo-analista de tudo. E o pior é que ele sabe que diz merda. Tanto que, neste espisódio me saiu com uma emenda pior que o soneto: "Lula é analfabeto, mas brilhante".
Devia ter ficado mudo. E ainda tentou dizer que não foi entendido pela jornalista Sonia Racy e por Nelson Motta. E nem por brasileiro algum. Todos entenderam o que ele disse e não o que não disse e agora diz que quis dizer.
Mas o melhor deste furdunço foi a oportunidade de Zé Celso escrever sobre o assunto, já abrindo seu voto a Dilma, numa extensão do reconhecimento ao país da era Lula. Que é o cara mesmo. Com erros (muitos), acertos (muitos) e todo o resto que sabemos.
Pra mim, pra Zé Celso e pra seu Zé lá do interior, que diz abertamente que vota em um cachorro se Lula estiver junto, o presidente "ignorante" pra Caetano é um cara que merece respeito.
Até por ter sido analfabeto e pouco culto. Contem aí os presidentes com este perfil que transformaram um país do tamanho do Brasil. Não dá pra negar isso. Eu não voto em Dilma, por enquanto. Não voto por causa dela mesma, a quem considero insuportavelmente arrogante, sem carisma. Uma mala sem alça.
Lula é non sense sem cerimônia alguma. É, no teatro o palhaço, que ri de si mesmo, como diz Zé Celso. Diz bobagens, mas sabe o que faz. Erra, é claro. Mas acerta muito e colocou o lixo herdado de Fernando Henrique, o "intelectual", na lata.
Zé Celso termina o artigo citando, de maneira muito pertinente a Oswald de Andrade, em Pau-brasil e, por isso faço a alusão no título do post. No que me cabe como cidadã da Terra Brasilis vejo um povo que está aprendendo a plantar mio, pra comer mió e poder fazer mais teia pra construir o teiado.
Caetano que se morda com sua intelectualidade gasta, superada e equivocada, que nega o sentido da Tropicália que o projetou.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Poema da insônia




Parada Cardíaca
(Paulo Leminski)

essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure
vem de dentro

vem da zona escura
donde vem o que sinto
sinto muito
sentir é muito lento.

Virado no Diabo



Seu Tonho, ou melhor, Antonio Miranda tá virado no Diabo. Depois que resolveu ser compositor nas horas plenas a produção não para. Admiro quem tem coragem de mudar tudo, virar a vida de ponta a cabeça e fazer, verdadeiramente, aquilo que lhe dá prazer.
Mirandinha, meu amigo queridíssimo é uma figura ímpar e um autor que transforma em canção tudo o que vê, sabe e sente, em todos os ritmos. Adora brincar com as palavras e tem um repertório de vida enorme.
E até o Diabo, em todas as suas expressões populares deu música.
Primeiro deu em um poema que ninguém quis musicar. Daí Mirandinha resolveu fazer ele mesmo e o resultado taí: uma canção divertida que virou nome de show, Diabruras, o segundo que ele faz na sua carreira musical levada a sério. Eu vou lá fazer coro. Todas as quintas-feiras de novembro, no Tom do Sabor.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Desperta, ó claro e amado sol


Av. Rio Branco, Rio de Janeiro. Foto: Wilton Jr., Estadão.

23h30min. Sem horário de verão em Soterópolis.
Longe daqui, pero non mucho, até o apagão no Brasil é paraguaio.
E até o apagão no Paraguai é brasileiro.
E a cobertura jornalística é talibã.
Willian Waak, piadista global de plantão, entrevistando o assessor de comunicação social de Itaipu, Gilmar Piola, depois que o cara falou ao telefone por meia hora:
"Gilmar, em outras palavras, vocês não sabem o que aconteceu".
E Gilmar, parodiando o cara da Tigre: "Veja bem...".
Eu gosto das frases de gaveta:
"...a zona norte do Rio está praticamente às escuras".
"...o que você vê com luz certamente são prédios com geradores".
"...os pontos de luz na Av. Paulista são prédios que provavelmente têm algum tipo de geração de luz".
"...essa imagem você nunca viu. Normalmente é um mar de luzes".
E a melhor de todas, by Pellagio, chamando o repórter em Foz do Iguaçu:
"...aí está iluminado ou sem luz?".
Se eu fosse ele entrava com uma vela acesa na mão no meio do cemitério.
Números preliminares: 800 cidades atingidas e três dias para tudo se normalizar.
E a culpa, ao que parece é do vento que soprou lá no Paraná. Opa: cogita-se arte de hackers? Esta é melhor.
Amanhã vai ter aquele listão de todo apagão. Pacientes que ficaram na porta do centro cirúrgico, moradores que dormiram no elevador e a limpa geral da bandidagem. Sandra Passarinho já colou no Corpo de Bombeiros.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Sácame un pelo




Não sei de quando é, mas esta série de comerciais foi criada pela Santo, da Argentina, para o cliente Telecom. Está entre as preferidas da Laura Chiavone, socióloga e planner da Limo.
Genial, ousada e divertidíssima. Assistam até o final. Desculpa aí, mas Argentina 5x0 Brasil. Porque eu sou boazinha...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Uma palavra, muitos sentidos





Words. Vídeo da Orange.

domingo, 8 de novembro de 2009

Pipoca


Tá com vergonha? Eu tô.

Time de sacana. Barradão lotado. Três derrotas consecutivas e o time pipocou geral. Quarta derrota. Adeus, Sulamericana. Que zorra é Avaí? 1x0.
Ô, cambada, viu.

Hordas de hipócritas


Foto: patodelaranja.com

Preconceito é uma coisa que me deixa gelada. É algo, pra mim, absolutamente injustificável.
Ontem estava na fila da depilação - sim, até pra isso tem fila - quando reparei num par de pernas sobre saltos plataforma ao meu lado. Pés enormes. Mais acima, uma saia curtíssima com estampa de onça cobrindo aqueles coxões de fazer inveja. Fui subindo os olhos quase instintivamente, e...
...peitos siliconados. Cabelos loiríssimos, longos e falsos. Dois celulares tocando ao mesmo tempo e a pessoa nem ali. Continuava, delicadamente, folheando a Caras da semana. Quando levantou atendendo ao chamado da moça da cera quente vi o par de lentes azuis e medi as costas. Uma asa que não tinha mais tamanho. Braços bombados.
Era um homem. Linda, loira, vestida de onça e no salto. Tudo certo. Adoro ver a reação dos outros nestas horas. Nenhum desconforto na recepção, nem um risinho de canto de boca, nenhum olhão aberto. Achei sensacional. Civilidade da zorra. E olha que tinha de menina a senhorinha.
Aí vejo a história da expulsão da aluna da Uniban, com uma justificativa patética. A moça loira e gostosa foi defenestrada por ter maculado "a moral" da instituição por causa de um minivestido rosa-choque. Choquei eu. Meo Deos.
 O quão imoral foi a reação de uma horda de jovens movida pelo preconceito e pelo prazer de se meter na vida dos outros, como se o livre arbítrio fosse uma ofensa pública.
Não estou aqui defendendo que cada um faça o que quer em qualquer lugar, sem pensar no mínimo convencional. Sim, universidade é um lugar de convenções como qualquer outro. Mas não é um lugar de manifestações violentas, segregadoras embaladas pela hipocrisia pseudo-burguesa.
Quase mataram a moça, a desqualificaram, a subestimaram, a agrediram com toda sorte de impropérios e a universidade (sic) assinou embaixo. Um descalabro.
O que mais me espanta é que este tipo de discurso já extrapola a ordem das "diferenças" e recai, também, sobre os "iguais". Aquele bando de gente xingando histericamente pelos corredores, num coro endossado por professores me lembrou as manifestações racistas dos Estados Unidos dos anos 50's e 60's. Coisa da Ku Klux Klan.
Mais um pouco e a teriam jogada na fogueira e a queimado viva. A que ponto chegamos.
E pra Uniban, não vai nada? Aposto que não. Num país laico, democrático e com um governo de esquerda (sic de novo), a sociedade segue a fábula dos três macaquinhos: não vê, não ouve e não fala.
Enquanto isso, no Reino da Dinamarca ou Ilha da Fantasia trieletrizante, gays continuam sendo assasinados em quartos de motéis do Largo Dois de Julho, a data da Independência. Vive la differénce.

Che ainda foi maior


O homem, também guerrilheiro

Cinema na noite de sábado. Che 2, de Steven Soderbergh. Direção arrastada para quem não conhece a história. Roteiro fiel, Benício del Toro é a encarnação de Che Guevara. É uma coisa transcendental aquela interpretação. O mito toma conta da alma do ator. Toma conta de tudo.
Comentei com uma amiga que del Toro vai levar uns 10 anos pra se livrar de Che. E tenho dúvida se ele vai conseguir. Mas o filme, por si só, não emociona.
Talvez porque a minha geração tenha o imaginário de Che Guevara impregnado em seu sonho pueril. Indubitavelmente, em alguns princípios revolucionários que ainda carrega. Mas gostei do tom documental. Por duas horas o lugar do espectador é dentro da mata boliviana.
O olhar é de dentro pra fora e, por isso o ritmo, lento, no tempo de cada acontecimento. Sem a corrida frenética dos filmes de guerra ou de ação. Tudo no passo tático de uma operação de guerrilha movida pela ideologia de um homem quase só. É uma referência histórica importantíssima. Este deve ser o olhar sobre o filme.
Embora goste muito de Soderbergh - Traffic (2000) e Sexo, Mentiras e Videotape (1989) estão na lista dos 20 melhores filmes da minha vida -, penso que um diretor sulamericano, sobretudo os argentinos fariam um filme bem melhor, cinematograficamente falando.
Nossos olhos e nossos ouvidos já estão treinados para imagens cruas, perspectivas diretas da câmera, lentes sem filtro e cortes menos secos e mais emocionais, embalados por uma sonoplastia tensa e uma trilha sonora que vai num movimento crescente. Somos latinos. Só o canto-lamento de Mercedes Sosa, Balderrama, na subida do corpo de Che e dos caracteres não basta.
A direção de Soderbergh abre mão dessa visceralidade que a história de um mito revolucionário em seus últimos momentos merecia. Talvez este tenha sido o meu incômodo, que não desdenha em nada o filme, conceitualmente.
Eu, que colecionei livros, bottons e camisetas de Che na juventude e chorei em Diários de Motocicleta (Walter Salles, 2004) saí do cinema como entrei, a não ser pela sensação de que houvera visto Che em del Toro. Estupendo.


Hora vaga

O que se faz na hora vaga? Vagabundagem. Se joga conversa fora. Fofoca. Se conta piada. Se olha pro vento, pro nada. Num tempo sem tempo, a hora vaga é a hora plena. A hora da contemplação das coisas que não estão no script do corre-corre cotidiano.
O café, o cinema, a cena, o beijo, a letra, a estrada, a pista, o outro. Só porque me cobraram um espaço pra contar sobre meus olhares nestas horas. Crônica em preto e branco, que é mais bonito.
E como eu adoro um blog...