sábado, 28 de novembro de 2009

Tomates tunisianos fritos

Na loja franqueada de uma famosa cafeteria ouvi o seguinte diálogo entre duas distintíssimas senhoras, num tom pra lá de blasé:

- O seu prato chegou primeiro? E o meu café, nada. O serviço aqui é péssimo.
- Sim. Horrível.
- E este tomate aí? Não era pra ser frito?
- Pois é. Era. Mas está totalmente cru, com o queijo parmesão derretido dentro.
- Que horror. Isso é coisa daqui. Porque já fui a várias lojas em Curitiba e até em Camboriú. Nunca vi este tipo de atendimento.
- E este tomate, você já viu assim em algum lugar?
- Não.
- Nem eu. Não deve existir em nenhum lugar do mundo. Nem nos confins da Tunísia.
- É verdade.

Pode parecer non sense. É. Mas é coisa pior também. É xenofóbico.
Estou exagerando? Talvez. Mas presenciar este diálogo entre duas turistas curitibanas em uma cafeteria da orla marítima de Salvador me deixou muito desconfortável.
A ponto de rever o cardápio, que conheço há muito tempo e comparar a foto do prato pedido pela senhora, vítima da suposta incompetência do pessoal da cozinha.
Fiz mais: chamei o garçom e perguntei qual era o ponto do tomate. Tomate este que eu já havia comido várias vezes. É gratinado, não é frito. Por isto vem levemente assado, só fica no forno o tempo de derreter o queijo mussarela - não parmesão.
E dei uma boa espichada de olho. Juro, não vi nada diferente do que sempre vi servido em outras unidades da rede, inclusive as paulistanas.
Moro em Salvador há 32 anos. Critico o mau serviço, aqui ou em qualquer lugar do mundo. Temos problemas? Sim. Não são poucas as vezes em que chamo gerentes de estabelecimentos, devolvo pratos e mercadorias, reclamo do atendimento, da conta, da demora. Me manifesto, cobro, exijo.
Hospitalidade e descontração não são desculpas para uma prestação de serviço meia-boca, que não é rara por aqui.
Mas a cena revelou, sim, uma carga de preconceito que me incomodou profundamente. Duplo preconceito. Havia um batalhão de gente se desdobrando pra o atendimento rápido na cafeteria lotada. Eu não esperei 5 minutos pelo meu pedido. O bendito tomate da turista estava no ponto.
E a culinária da Tunísia, seja na capital com ares ocidentais, Tunis, ou no mais longínquo distrito no meio do deserto é referência internacional.
Podem perguntar porque eu prestei atenção na conversa dos outros. Primeiro porque observar o comportamento humano faz parte da minha vida. Sou jornalista e, portanto, observadora por ofício. Segundo - e o principal motivo - foi porque entrei sozinha, procurei um lugar no canto do salão e encontrei uma mesa vaga ao lado das digníssimas senhoras. Ao passar, cumprimentei-as, no que não fui correspondida.
Aliás, fui solenemente ignorada. Isto bastou pra que eu as considerasse esnobes e mal-educadas, além de suscitar minha curiosidade a ponto de encará-las. Por isso ouvi a conversa que descrevi. No tonzinho de senhorinhas que tomam seu chá das cinco, o que me irritou ainda mais.
Achei de um cinismo absoluto. "Coisa daqui". A bolsa de tecido comprada no Mercado Modelo com a ilustração do Elevador Lacerda que uma delas portava também é "coisa daqui". E o tomate cru não foi devolvido. Foi engolido no mesmo ritmo do diálogo.
Tive vergonha. Quase pedi desculpas ao garçom quando ele disse que cenas como estas são comuns. Que as manifestações de preconceito, principalmente racial são o seu dia-a-dia, por mais que se esforce pra mostrar o melhor.
Disse isso com sinceridade e mágoa. Me agradeceu pela preocupação e me pediu pra voltar sempre. Voltarei. Quem sabe um dia vá a Tunísia, bem lá nos confins. Quem sabe só em Curitiba e em Camboriú os tomates gratinados são fritos. Eu detesto tomates fritos.


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