quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Bossa e samba na Igreja



Quando cheguei a Salvador no final dos anos 70's vivia "medindo" a cidade, como se diz por aqui. Andava a pé pelo Centro Histórico num tempo onde as palavras medo e insegurança não existiam no meu vocabulário. Um dos caminhos para pegar o ônibus me levava ao ponto final da Barroquinha, onde se inicia a Baixa dos Sapateiros, mundializada por Ary Barroso.
Descendo as escadarias ao lado do antigo cinema Guarani, depois Glauber Rocha e hoje Espaço Cultural Unibanco ficava a Igreja Nossa Senhora da Barroquinha. Uma construção do século XVII que compunha um conjunto arquitetônico que tive a sorte de conhecer, mesmo comprometido pela degradação dos equipamentos desde meados do século passado. 
A Igreja tem um valor histórico inestimável. É uma das marcas mais significativas do sincretismo religioso da Bahia: era frequentada por  mulheres nagô-iorubás da nação ketu que, mais tarde, formariam a Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte. À sua volta um batuque deu origem aos primeiros terreiros de Candomblé da cidade.
Em 1984 a Igreja virou ruínas num incêndio e assim permaneceu por muitos anos, com intervenções pontuais para sustentar o que restou. Em agosto deste ano, depois de um projeto de recuperação que começou em 2003 a Igreja foi devolvida aos soteropolitanos como espaço cultural, contribuindo para a vocação daquela área da cidade.



Ontem fui assistir a um show de bossa nova do músico baiano Paulo Costa, que mora em Paris. Pela primeira vez entrei na Igreja depois da intervenção para restauração e recuperação das ruínas. Confesso, fiquei emocionadíssima.
O lugar é lindo. A história de séculos se mistura, na nave central, aos equipamentos de som e luz e aos dutos de ar. Uma acústica fabulosa e os donos da casa - os morcegos - de vez em quando dão vôos rasantes no fundo do palco. Nem isso chegou a interferir no encantamento da platéia. É um lugar perfeito para se beber Cultura.
Neste verão o lugar vai virar espaço de samba, com o Projeto Samba da Igreja todas as segundas-feiras, de novembro a fevereiro de 2010. O batuque do século XVII sai então do entorno, da rua e passa à área interna da Igreja da Barroquinha na forma de outra manifestação autêntica da região do Recôncavo, o samba de roda.
E eu, como boa baianoca estarei lá muitas vezes. É isso que eu gosto do lugar que escolhi pra viver: a tradição revisitada, transformada, mas nunca esquecida.

3 comentários:

  1. Adorei aprender detalhes da minha cidade lendo sua crônica.
    Só pra deixar registrado: você vai durante o verão ver os espetáculos na Igreja??? Não vai sozinha não. VAMOS!!!!!

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