domingo, 22 de novembro de 2009

Besouro: o filme e o discurso


           O vôo do Besouro (Aílton Carmo) sobre a Chapada.

A diferença entre o diretor-cineasta e o diretor-publicitário é a verborragia.
Se João Daniel Tikhomiroff  falasse menos, talvez Besouro, o filme, pudesse ser melhor compreendido.
Fui ao cinema com a seguinte referência: é de sentir vergonha. Não é não.
Mas não é um filme de ação e muito menos pode ser definido como uma superprodução que conta a saga do primeiro herói brasileiro nas telonas, como apregoou o diretor em seu discurso de pré-estréia. Ou de teaser, usando a linguagem do marketing.
Fui sem expectativas e, por isso, gostei. O roteiro é bom? Não. É recortado demais, beirando o simplório. Isso faz diferença? Não. O homem negro lutador do início do século passado, escondido atrás de sua culpa é humano e supera os clichês periféricos.
O filme dá seu recado estético no seu ritmo, mistura verdade e ficção, conta uma história real em meio ao imaginário das entidades do Candomblé. A personificação de Exu (o excelente Sérgio Laurentino) é estupenda. E o equatoriano Enrique Chediak dá uma aula de fotografia.


O Exu de Sérgio Laurentino: o bem e o mal.

O filme é o irmão pobre e tupiniquim de O Tigre e o Dragão? Não. A cultura da Capoeira é maior que os efeitos dos vôos e lutas que os chineses incorporaram.
Atores desconhecidos e não-atores comprometem? Não de novo. Ao contrário. Ampliam o olhar sobre o filme que reverencia uma arte genuína, baiana e brasileira. E o trabalho de Fátima Toledo com o elenco foi correto.
Aílton Carmo, o Besouro, é excepcional capoeirista e convence. Fico pensando no orgulho de seus alunos, crianças carentes da Chapada Diamantina, região do interior da Bahia onde nasceu e aprendeu a jogar Capoeira.
Besouro não é mesmo um filme de ação. É um filme de arte. E Tikhomiroff  errou em não "vendê-lo" desta forma. É um filme para se esperar uma trilha não-linear, que Rica Amabis faz muito bem. Ângulos de câmera em sobrevôo, personagens inverossímeis e detalhes de interpretação que surpreendem.
Como os olhos marejados de ódio e impotência do cruel chefe dos jagunços, Noca de Antonia (Irhandir Santos) quando descobre que Besouro foi o autor do incêndio no canavial do Coronel Venâncio (Flávio Rocha). Ambos, ótimos atores.
Ok. Custou R$ 10 milhões, tem dezenas de patrocinadores e, por isso, a "obrigação" de fazer um filme maior conta. Mas, pera aí. Qual é mesmo o demérito?
Nós babamos com os filmes europeus e os filmes cult hollywodianos, achamos tudo lindo e fingimos que entendemos roteiros que não têm pé nem cabeça - os chamados filmes de arte-do-cão, como diria um amigo meu - sem nos perguntarmos quantos euros ou dólares há naquela produção sem começo, meio e, invariavelmente, sem fim.
Não considero que Besouro tenha sido um ensaio de um novo gênero do cinema nacional - que, sim, só dá valor ao mundo cão da periferia urbana, às comédias non sense ou água-com-açúcar com elencos globais ou às produções protagonizadas pelo chatíssimo Selton Mello.
Há beleza em Besouro, sim. Nas locações da Chapada Diamantina e do Recôncavo baiano. Na história documentada de resistência da raça negra e na plasticidade e identidade cultural na Capoeira.
E cinema é isto também. O resto foi garganta demais.

Fotos: Christian Cravo.

2 comentários:

  1. Sinceramente discordo de vc, acho que ao invés de vc ja fui assistir esperando muito e me decepcionei, achei o filme muito mal conduzido, o roteiro em si, daria para ser bem melhor explorado e se feito uma maquina de dinheiro e quem sabe algo que pudesse continuar, em relação aos atores não contando os mais experientes achei que faltou um que a mais, sinceramente fiquei desapontado pois esperava tanto desse filme e fiquei muito p da vida com o que fizeram, na verdade faltou tudo, um dinheiro mal investido

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  2. Valeu o seu ponto de vista, Daniel. É importante a discussão.

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